terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

DILÚCULO





Nesse dilúculo que me observa de cima a baixo, esquento a bunda na grama fria.
Minha cabeça se perde em um vasto campo de memórias esquecidas
Daquelas que só aparecem quando o cansaço sem nome chega.
Flerto com essa vontade louca de ter uma vontade.
Arquivos em cenas de um nocaute chamado “todos” em um rosto chamado “eu”.
As placas indicam que tenho que saber o que no momento não estou sabendo.
São assim mesmo: palavras soltas. Eu não preciso das ligações e sim do silêncio entre elas.
Olho para lá e olho para cá. E sabe o que vejo?
Tudo. Tudo é a mesma coisa. Tudo...
Há tanto a se fazer e essa vontade louca de ter uma vontade não me deixa.
Essa alvorada não pede nada. Não questiona.
Ela só fica ali me observando de cima a baixo.
Apenas isso.
Como diz um amigo poeta: “Tudo o que quero é chegar ao começo”.
Há um ser que não sabe o que escrever, o que pensar, o que fazer.
(                                       ).
E a grama continua fria.
Queria um braço de água. Desses que tem lá no fundo do mato.
Tirar essa roupa que pesa e deixar esse vento que bate em meu rosto sacudir o corpo.
Pular e sentir o abraço forte do lago.
Lá sim, eu respiro.
Aqui, eu sufoco.
Ahhhh! Só em pensar sinto o cheiro das minhas águas.
É disso que preciso: um mergulho de volta as minhas fontes.



foto: André Auke
modelo: Mãe.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

INSANIDADE

Fiz do meu corpo a sua morada
E assim fiz porque queria
Tinha essa necessidade absoluta
De loucura não explícita

Eu me tornei seu amante por necessidade

Não foi uma escolha e sim por pura heresia

Era algo como um viciado em heroína:
Após a primeira picada uma órbita se abria

 

Não me pergunte se voltaria
Não cabe a mim responder coisas que não me instigam

Sou viciado por opção e escravo por destino

Após esse momento serei julgado novamente


Mas a leis normais ou divinas não me excitam

Tenho sempre minha companheira, fiel, abusiva e defensiva:

A MINHA INSANIDADE.
Foi ela que te levou pra cama nas noites de Cabiria.




Foto: André Auke.
Modelo: Jéssica Fogaça.



sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sempre estamos olhando para algum lugar.



"Sempre estamos olhando para algum lugar.
Mesmo de olhos fechados".

Esse poema resolvi escrever ou melhor desenhar com um outro tipo de arte que gosto muito.



fotos/edição: André Auke
musica: Allemande - Bach (Victor Yolan)



Obs. Clicando no titulo do poema no vídeo, automaticamente é transferido para pagina do youtube onde a janela para visualizar será maior.

sábado, 30 de outubro de 2010

Uma Crônica Verdadeira.


A verdade é uma grande mentira. Vamos aceitar esse fato.
Na real, a mentira é a nossa grande amiga e companheira.
Sejamos honestos pelo menos uma vez na vida.
Quantas vezes repetimos a bonita frase: “mesmo que doa, eu prefiro a verdade”?
Mentira! Mentira! Pô, você sabe disso, eu sei disso, todo mundo sabe disso.
Mas, mesmo honestamente, querendo dizer a verdade, estamos sempre mentindo.
É ou não é a nossa grande companheira?
É possível que nem mesmo sozinho aí, lendo essas palavras, você vai assumir a verdade. Vai como sempre, e isso é um ato natural, mentir para si mesmo.
Isso não é uma crítica, somente uma constatação.
A coisa é tão celular que o estranho, o que causaria uma comoção, seria a verdade aparecer.
Talvez no decorrer dessa leitura você tenha pensado em alguns ícones, vários nomes de pessoas que para você são verdadeiras. Vou lhe dizer uma coisa: resuma sua lista, mas resuma messssmo, é capaz de sobrar apenas um. Ou nem isso.
Nessa altura você já está achando um absurdo o que eu estou dizendo, né? Uma arrogância! 
Para mim é verdade o que eu disse, mas tudo pode não passar de mentira disfarçando-se de verdade.
Ela é tão poderosa que tem a capacidade de enganar pessoas inteligentíssimas, fazendo-as acreditar que estão sendo verdadeiras consigo mesmas e com os outros. E pior, isso acontece e dá muito certo. Multidões acreditam. É sério.
Nossa grande companheira honesta, que não nos deixa na mão em nenhum momento: a mentira.
Vamos parar de ser hipócritas - é possível que doa menos.
Nunca fomos e nunca seremos.
Quantos trabalhos, quantas terapias, quantas observações, quantas filosofias de bar e de sala você já não fez?
E a nossa companheira continua ao nosso lado.
Tudo bem, não precisa ficar com vergonha ou nervoso. É super natural discordar do que estou falando. Eu pararia de escrever agora e apertaria o botão “DEL”, se acontecesse o contrário. Mas, graças a você, a todo mundo, inclusive eu, tenho razões para continuar.
Alguns aí, vão apelar para santos. Ok, vale tudo. E eu pergunto: Você acha mesmo que os santos não mentem?
Ai, acho que blasfemei para alguns.
Desculpa. Eu esqueci que vocês acreditam que suas religiões dizem a verdade. Foi mal.
Vamos ser mais compreensivos com ela meu povo!
Ela nunca nos trai. Está sempre a nossa disposição. Não seja um ingrato com quem é tão dedicado a vossa pessoa.
Na próxima vez que se olhar no espelho, não finja que ela não está ali, fiel, prestativa só esperando o seu olhar de compaixão e aceitação.
Eu poderia dar grandes exemplos de coisas e pessoas do mundo, mas eu e você sabemos que não vou precisar disso.
Afinal, o papo aqui é mais individual, não precisamos ir tão longe. É só observar o fluxo de seus pensamentos agora. Isso, agora.
Hum, acho que te peguei!
Sinto que não preciso ir mais além.
Mas não tenho como não dizer uma coisa estranha: “Acho que existe alguma verdade em tudo isso”.
Bem, o papo está bom, mas eu e a minha fiel escudeira nos despedimos.
Desejamos uma boa observação do fluxo de seus pensamentos neste momento. Agora.
Mas, se for mais fácil, não tem nenhum problema chegar à conclusão que tudo isso é uma grande mentira. Vai por mim, isso não seria nada estranho.

foto: Jéssica Fogaça.
modelos: Buda e André Auke.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Chá Frio


Clara está debruçada sobre o parapeito da janela, observando as gotas de água que escorrem pela vidraça.
Cartas e envelopes pelo chão.
A chaleira toca na cozinha anunciando que o chá está pronto.
O apito a faz retornar de um lugar distante.
Com a xícara na mão, senta na poltrona e abre um envelope.

São Paulo, 10 janeiro de 1998.

Olá, Pai.
Faz tempo que não temos algum contato.
Nem sei se o senhor de alguma forma, nesses anos, chegou a lembrar de mim.
Imagino que tenha vivido muitas coisas, pois eu passei por várias.
Estou com 30 anos e já sou casada há 5.
Há tempos penso em escrever.
Hoje, sendo uma menina crescida, compreendo melhor e agradeço a sua coragem de assumir uma criança que não era sua.
Quero muito que essa carta o encontre bem, vivendo do jeito como sempre gostou, ao lado da natureza. Coisa que também gosto muito hoje.
Pai, peço o seu perdão. 

PS. Em breve serei mãe, estou grávida.
      Tenho saudades da Rita.

Clara repousa a carta no colo e bebe seu chá frio.
Olha para a janela e percebe que a chuva passou.
Uma lágrima descansa no papel. Manchando o amarelo da espera com o preto da escrita. 


foto: André Auke
modelo: Jéssica Fogaça.


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SER A MARGEM


Estou em luto comigo.
Morre aquilo que não quero mais,
O que não me pertence.
Coisas que não eram para ser, mas por algum motivo estacionaram-se em mim.
Em luto declarado, queimo e espero as cinzas.
Essas as quais com um sopro digo:
- Voltem de onde vieram, sejam esterco para quem queira.
Mas antes da morte faço meu crepúsculo em ordem inversa.
Ando pelos cantos como um marginal.
Meus gritos e sussurros são escutados apenas por mim.
Nem os outros marginais têm ouvidos para isso.
Sou a marginalidade escondida dentro da própria marginalidade.
Existem outros, pois nossas vozes são feitas da mesma vontade.
Mas ainda estamos fadados ao anonimato honrado de um forasteiro.
Cada um em seu beco, ou estradas que sejam.
Às vezes nos olhamos, nos compreendemos e ficamos nisso, apenas isso.
Meu protesto é interno.
Meu luto é comigo.
E agora estou sentado no meu beco velando tudo o que tem que ser queimado.
Vou inspirar toda a fumaça.
E ela ecoara em todos os cantos, caminhos e esquinas.
Mas somente os que estão fora da estrada vão ouvir.
E a esses faço o convite:

Venham comigo velar:
 “O Ser à Margem”.


foto: André Auke.
modelo: Jairo Pereira

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A o A c a s o


Encontrei-o ali sozinho.

Namorando com seus pensamentos.
Sua segunda palavra, a meu ver, foi uma tentativa de venda.
A mercadoria eram seus argumentos, agonias, alegrias, fetiches...
Histórias pequenas e outras grandes, mas histórias.
Assim era ele: um belo contador de histórias.
Em nossa conversa as palavras ficavam soltas no ar como a fumaça de seu cigarro.
Perdíamos-nos um do outro por alguns momentos, quando nossos olhos eram pescados por moças belas que desfilavam pela calçada.
E assim estávamos nos dois: sentados sobre o degrau de uma porta de bar fechado, de frente para uma bela calçada.
Foi deste modo que nos encontramos. 
Foi deste modo que eu o encontrei.

Nosso diálogo persistia em divagar com o nada. Nossa conversa passeava perdida pelo ar.
Mas para alegria de nossos olhos as moças bonitas continuavam a passar.
Estávamos naquela tentativa de achar razões para nossas escolhas, pois eram diferentes das pessoas consideradas normais. Era claro que a cada verbo tínhamos a consciência do preço a pagar e já pagávamos. 
Mas isso não nos tornava especiais em nada, já que os normais também pagam. 
O que muda é apenas a moeda, porque o gosto é sempre o mesmo.

Com um pequeno sorriso no canto boca eu folheava em minhas mãos parte do que poderia ser fragmentos da vida dele. Entre uma folha e outra eu colhia algumas palavras soltas, como um poema concretista e ouvia a música que saia de seus lábios. Eram certezas de sua vida no presente. 
Bonita música.  Não tinha sofrimento, mas era triste por seu distanciamento.

Acho-me engraçado pensando nisso agora. Mas sei que um dia esse corpo ao meu lado morrerá. No entanto, essas folhas, mesmo que com o tempo fiquem amareladas, já são eternas.
Será que ele sabe que esse momento já se tornou meu fragmento? Não importa.

Nossa! Como são bonitas essas moças que passam pela calçada.

foto: autor desconhecido.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Poema de um dia só.


Essa manhã eu fui para um lugar onde eu não estava.
Fiquei por lá, algum tempo. Olhando todas as coisas que não existiam.
Encontrei coisas fora do lugar e outras que queriam mudar.
À tarde fui para um lugar onde eu pensava em me encontrar.
Fiquei por lá um bom tempo.
Espantei-me com as coisas que não achei e como elas conversavam de coisas que eu nunca visitei.
Pacientemente esperei a noite chegar. Várias coisas passaram. 
E aqui estou. Há muito tempo, esperando qualquer coisa passar.




terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sou Alvedrio.


Sou alvedrio, estou no olho.
Dele não saio. Nele observo as veredas, talvez de uma salvação.
Essa que não existe a ninguém.
Estou pasmo com a degustação das desculpas humanas.

Estou no olho, nele mexo e reviro.
Quero ver e sentir algo de vivo.
Algo que não se mostra mais.
Trocaram a presença pela covardia.
Na cara limpa e nem me avisaram.

Nem um e-mail, telefonema, msn, twiter que seja.
Hoje as dores são os símbolos da omissão.
São estrelas que andam em tapetes vermelhos.
Convidados ilustres, aclamados e chamados.

E por que não? Por que seria diferente?
Poder esconder qualquer coisa que você queira?
Então por que não torná-la a dona da sua vida?
Um convite quase impossível de recusar.

Vem, despeja seu ácido corrosivo.
Liquido dessa hipocrisia insatisfeita que é a sua biografia.
De onde está não saberá fazer outra coisa mesmo.
Levante seus olhos na minha frente. Tente.
Pois minhas costas já estão cansadas do seu olhar medíocre.

Outras orelhas estão aborrecidas das suas palavras sem ação.
Olhe-me nos olhos, recite seu verbo em meus ouvidos e você verá pela primeira vez. 
Pela primeira vez você verá um outro mundo.
Tenha coragem e fite os meus olhos e sinta quem você é.

É agora, não existe depois.
Estou no olho e para ele eu te chamo. Guarde sua covardia
Para quando ir ao banheiro. É lá que as merdas devem ficar
E não onde você as coloca neste momento.
Boca de verbos desnecessários.

Perca esse momento e o depois será apenas a consciência.
A consciência tornando-se consciente da sua escolha:
Nasceu homem, mas escolheu viver e morrer Ameba.

foto: André Auke - Paris.

terça-feira, 29 de junho de 2010

PUGNAR *




O mundo anda e eu estou aqui
O mundo grita e eu estou aqui
Não quero saber de nada.
Apenas estar quieto em mim

Não preciso desse barulho
Não hoje, não agora.
Não sairei nem para sorrir, nem para chorar.
Serei velado em cores pastéis.

Todos estão correndo de alguma coisa
Movimentos esclerosados.
Corpos sem paixões.
Talvez corram de si mesmos.

São bonecos expressionistas.
Hipocrisias da moda.
Disfarces de medos e carências.
Tão desconectados.

E nem percebem, nem percebem.
Hoje deito em meu corpo e assim fico
Até o Eu desaparecer.
Sinto-me cansado.

Por isso hoje não saio de mim.
Estou em repouso, sensivelmente em repouso.
Minha respiração quase para.
E assim ficarei.

Volto à superfície quando estiver pronto.
Pois uma batalha me espera.
Com olhos abertos não enxergava.
Agora reconhecerei em mim a própria guerra.

* tomar a defesa de;

foto: André Auke -Gap/França.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quero você aqui.


Quero você aqui.

Morando nos meus olhos.
Saciando minha sede.
Bebendo meu corpo.
Tragando meu êxtase.

Quero você aqui.

Reconhecendo minha boca.
Traduzindo o que falo.
De pernas abertas e
Olhar de entrega.

Quero você aqui.

Decorando minha carne.
Matando sua fome.
Sem luxurias e melindres.
Sem medo.

Quero você aqui.

Suspirando o meu toque.
Que desliza em desejos.
Abrindo suas vontades.
Acolhendo-te por dentro.

Quero você aqui.

Assim, em febre...
Morrendo em pedaços.
Renascendo em orgasmos.




domingo, 9 de maio de 2010

Equação quase resolvida



Cada vez mais preciso de ação. Cada vez mais preciso do silêncio. Cada vez mais preciso agir. Cada vez mais corro da multidão. Cada vez mais preciso da unidade, mas a divisão manifesta seu nome. O circulo cada vez mais se fecha.
Estou exposto. Eu me coloquei exposto.
Faço as contas: somo alguns pensamentos, subtraio algumas filosofias, divido alguns conceitos e os resultados são sempre alguns padrões.
Engraçado como essas contas sempre dão resultados exatos.
O circulo está se fechando porque ele existe e é natural tudo que existe ter um movimento. Mas o circulo existe porque existe um centro.
Se eu eliminar o centro, o circulo deixa de existir e assim, automaticamente, ele deixa de fechar.
Bimba! Equação resolvida.
Nem tanto, ainda não. Um detalhe: para eliminar o centro é preciso saber como ele surge.
Ele está lá porque eu estou a observá-lo. Se eu não estiver mais lá, será que ele deixa de existir?
Bom, pelos para mim vai deixar e, no momento, nessa conta, não existe outra ser se não eu. Será?
Pois se o centro não existir é porque não existe o observador.
Se não existe o observador não existe EU.

Resultado: equação quase resolvida.



quarta-feira, 21 de abril de 2010

A menina e seus vestidos.


Um dia a pequena menina, vestida de lágrimas, sonhou em voar.
Ser amante do vento, brincar com a brisa. Queria encontrar o entendimento da vida.
Pensou que sendo anjo poderia saltar e assim, com apenas um sopro, toda sua dor sarar.
A pequena menina não respirava, apenas soluçava.
Sentada em sua sala, esperava pelo último fôlego, aquele que decidiria.
E depois, lá de baixo, olhando para o alto procuraria o alívio de sua ação tomada em um momento de susto.
Mas uma voz miudinha dizia de algum lugar apertado:
- Troque o vestido menina.
Olhando o horizonte servia-se de um copo de culpa, beliscava em um prato a família e, jogados aos seus pés, sobrava algumas migalhas de sua vida.
- Troque o vestido menina.
Saindo talvez do intestino, como gente que pede socorro debaixo de escombros, a voz novamente surgia. Mas ela mal escutava. A pequena menina estava embriaga de sonho. Queria dançar sem peso para segurar, deixar suas cordas e saltar, voltar a sorrir e não ter ninguém para cuidar.
De repente, o carpete da sala era uma estrada; a sacada, altar e o parapeito, um Deus lindo e meticuloso.
Ela só queria subir em seu Deus e pular, virar estrela. Pensando assim em se salvar e quem sabe com esse mergulho profundo, encontrar o que tanto procurava.
E agora, de pé no parapeito da sacada, estava prestes a entregar seus sonhos ao vento. Antes, ensaiava alguns passos de balé iguais aos da infância - imagens de uma criança vestida de sorrisos era o filme que passava.
Momentos onde a única corda era a do balanço que, ela mal sabia, era o cupido do seu namoro com o vento.
- Pequena menina vestida de lágrimas, feche os olhos e volte para casa.
E agora parada ali no parapeito de seu apartamento, sentia seu coração pulsar. Lembrava daquele moço que ela tinha vontade de beijar e, algumas gotas no seu vestido, começaram a secar. Olhando ao redor percebeu que não tinha ninguém querendo pular.
Mas era a hora. Precisava tomar coragem. Tinha quase certeza que esse desfecho seria melhor.
Antes, olhou alguns de seus vestidos antigos jogado ao chão: o amarelinho raio de sol, o azul de desbotado sorriso, um vermelhinho com paixão escondida atrás do abajur, tinha até um carinhoso rosa bebê amuado no sofá.
Algumas vozes lá embaixo já diziam: Vem pequena menina, aqui temos o vestido rejeitado.
Ela pensou. Sentiu e decidiu.
Jogou-se. O tempo parou. Ele deu uma pausa para a ação da menina.
E ela acordou, levantou da cama, foi diante do espelho e se viu desnuda.
Sentiu-se completa.
Foi até a cozinha, preparou o café, levou até a sacada e ali flertou com a manhã. Contando-lhe histórias de uma tarde nublada, onde um vestido chorava no corpo de uma falecida menina.

domingo, 4 de abril de 2010

São Petersburgo, 1670


Naquela tarde andei porque foi preciso. Andei porque não sabia que poderia parar.


E enquanto eu andava fiquei observando as formas de como nossas histórias eram perpetuadas, percebi as nuvens que atravessavam nossos caminhos, elas traziam junto de si todo seu frescor, mas também a neblina.
Eu não poderia dizer algo possível de ser dito? Fiquei ali, sentindo.
Sabe, eu poderia ter ido embora a qualquer momento. Quero dizer não o que eu era de verdade, mas sim a parte que você acreditava. Essa sim era mutável, automática. Lembro que seu compromisso era o de ir e vir, sempre.
Isso vem de muito longe, sempre foi assim e não mudará; pelo menos não isso.
Agora ao contrario de antes sinto que o momento pode ser agora, não quero perder o tempo com as sobras.
Existo, mas isso não me basta mais.
Os códigos estão trocados e isso nos faz pensar que estamos vivendo.
Muitos sobrevivem, alguns existem e poucos vivem essa é a verdade.
É preciso escolher. Qual foi a sua escolha?
Pois a minha já foi feita, mesmo eu sabendo que ela já estava pronta, só esperando eu acordar.
Você também pode escolher não escolher.
Isso é fato, isso existe, isso é livre-arbítrio, você pode.
Também sei que posso me enganar com a minha própria escolha, mas assumo pagar o preço desse risco, Alias, já está parcelado.
E você? Assume o seu risco? Mesmo o de não fazer nada?
As coisas não são como parecem ser. Não estou lhe colocando contra uma parede, pelo contrário, estou lhe dando a opção maior: podemos abrir os olhos quando estivermos andando.
Pois se as cores estão aí, por que ficar só no cinza? Não que o cinza não tenha o seu valor, mas podemos mais.
Qual é a cor da sua nuvem, da sua neblina? Você viu a nuvem hoje?
Naquela tarde eu vi as duas e elas não eram diferentes como demonstravam ser.
Foi através delas que enxerguei esse emaranhado de conexões que existe em tudo e como me identificava assumindo umas, descartando outras, refazendo algumas.
E é por isso que resolvi fazer a escolha. Uma hora ou outra isso iria acontecer, eu sei.
Consigo ver isso perante os meus relâmpagos de consciência.
Eu sinto, às vezes como uma interferência, outras com clareza.
Talvez seja ainda, pedaços de uma outra conexão querendo ser refeita, religada, restabelecida, talvez.
Talvez quando eu puder dar a resposta a isso, não seja mais eu.
Posso ir embora a qualquer momento, isso está dentro da escolha.
É bem possível que quando eu tiver a resposta, a pergunta já não exista mais, é bem possível.
Você também está diante de um abismo que ao mesmo tempo lhe dá medo e uma imensa vontade de saltar. Espere a neblina passar e você verá.
Quem sabe podemos juntos reinventar algumas conexões? Ou mesmo desfazê-las.  Na verdade o objetivo é o que menos importa, se é que você me entende.
Mas venha logo, se esse é o meu momento, agora é o seu também.
Talvez tenha que me esperar um pouco, pode acontecer de me encontrar entre uma sessão e outra, coisa rápida, são apenas alguns eletrochoques.
A minha atual casa você sabe, tem o codinome: Hospício.
Foi para cá que me trouxeram, quando resolvi escolher.
Mas não se espante com o estado que me encontrar, não se deixe levar pelas aparências.
Afinal, faz um bom tempo que não nos vemos e depois daquela tarde, muitas coisas mudaram.
Se você conseguir observar bem, não estarei diferente das pessoas que andam pelas ruas, achando que seus olhos estão abertos.

Não, existe sim uma diferença: elas estão bem vestidas...




foto:http://br.olhares.com/caminhando_foto2495763.html

quinta-feira, 4 de março de 2010

Uma conversa com a minha sombra ou (a Dualidade)


Quando estou aqui pensando tudo passa na minha pequena cabeça.

Quantas coisas a fazer, quantas coisas a deixar de fazer; vontades, desejos, realizações.

Para que serve tudo isso? Se quando as realizo (aquelas que são possíveis) a satisfação é uma coisa tão frágil que costuma se quebrar ao primeiro perder do olhar.

É para isso que servem os sonhos? Para correr atrás deles, realizá-los e depois aguardar o vazio, a sensação de voltar ao início sempre? Só mudam as caras.

Mas o mundo aí fora segue assim: a multidão faz isso, vende isso, compra isso, assiste isso. Será que existe alguma verdade nisso? Será?

Eu faço parte da multidão, então tenho que seguí-la, mesmo me achando deslocado dela.

O caminho solitário é mesmo sozinho?

Se a vida quer que eu a siga assim, por que ela me permitiu encontrar uma lacuna em tudo isso? Por que, hein? Por quê?

Aceitar seria o caminho; pelo menos é assim que dizem os mestres.

Mas aceitar o quê? Aceitar o filho da puta que não aceita o meu direito de ser do jeito que sou?

Como seria bom se cada um tomasse conta da sua própria vida! Talvez seja isso o paraíso, hahahahaha.

É, às vezes o caminho da espiritualidade deveria ser mais concreto do que efêmero.

Com Alberto Caeiro aprendo que a diferença está na natureza e não nas cousas. Com meu amigo Quintana, a saída é amar o cotidiano. Já com Clarice, não tem jeito, a coisa é triste mesmo, mas com muita poesia.

Ah, é isso aí. Precisa de um pouco de poesia para sentir verdadeiramente essa vida.

Às vezes me pergunto: Será que o melhor é viver a vida sem razão nenhuma e seguir com sentimentos descontrolados, se enfiando até o talo em tudo que aparece, mas pagar o preço, às vezes caro de sangrar, se machucar grave, mas pelo menos estar íntegro, nem que seja em uma experiência de merda? -
E olha que já vi muitas pessoas fazendo isso. Quantos artistas! Será que isso os deixa mais artistas do que os outros? Será?

A outra opção seria assistir a tudo isso, como uma imagem estática, neutra,
deixando as coisas apenas passarem, sem intrometer, sem interromper. O tal “observar”.

Mas com o preço que às vezes... pode dar aquela sensação de não estar vivenciando nada, sabe?

Parece que o ser humano está muito acostumado com a movimentação, com o opinar, com o julgar, com se enfiar, etc, etc, etc. E o não movimento parece ser uma coisa de outro mundo.

Não me venha com a tal historinha do caminho do meio, que eu vou mandar você tomar no cú. Pois, quando o calo aperta, a única coisa que passa na mente é fechar os punhos e dar um belo soco naquele cara chamado Deus, ou na primeira pessoa que te olhar torto, pois esse é a semelhança daquele. E o primeiro, é difícil de encontrar.

Quantas historinhas, quantas! Você poderia parar de me contar histórias, por favor?! Que eu não agüento mais! Já basta eu e a minha cabeça!

Você está certo em dizer que eu só trouxe questionamentos, mas de qualquer forma, eu não tenho nenhuma resposta.

Para a minha imagem não ficar de um arrogante, vamos fazer um combinado? Tu ficas com a tua verdade e eu com a minha. Assim quem sabe não salvamos o mundo. Mas quem foi mesmo o infeliz que enfiou na minha cabeça que o mundo está querendo ser salvo? Quem?





fonte foto:http://br.olhares.com/dualidade_foto2726563.html

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Aroma


Para você é esse poema
Que de mansinho foi chegando.
Menina meiga com ar de meretriz.
Ah! Como isso me encanta.

Essa boca que me inspira pecado
Onde em meus sonhos acordados,
Já fui teu rei e escravo.
Lábios atrevidos que me deixam louco e safado.

Vejo-me preso dentro dessa armadilha.
Quadril que se movimenta com tamanha maestria
De quem sabe provocar sem vulgarizar.

Meu desejo de homem implora para entrar.
Peço licença, pois quero te visitar.
Conhecer teus encantos, fazer de sua pele minha morada.
Despi-la como se despe uma brisa.

Dançar e beijar teu corpo até a lua nos deixar.
Tornar no agora o que em sonho me excita.
Em nosso suor e sussurros sentir seu sexo como és:
Uma obra prima

E depois quando a primeira luz do dia aparecer,
Trazendo de carona a despedida,
Deixo a promessa já comprida:
Caso meu perfume em seu corpo secar,
Trago mais uma vez a fragrância assim que a noite acordar.

foto: http://br.olhares.com/estudo_do_pixel_em_low_key_foto3373888.html

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

TU QUIERES SABER



TU QUIERES SABER, LO QUE TODO EL MUNDO YA HABLA.
TU QUIERES PREGUNTAR LO QUE TODOS YA DICEN
TU NO NECESITAS DE ESO
TU NO NECESITAS DE ESO

SIGA DIFERENTE, PUES ESE CAMINO ES CONOCIDO
TODOS YA FUERON POR ALLI Y CONTINUAN YENDO
TEN CORAJE Y VAYA EN FRENTE
REME, REME SIN MIRAR

LA VERDAD ESTA ANTE TUS OJOS
MUCHOS ESTAN CAYENDO, PORQUE NO CALLAN
EL SILENCIO ES UNA ELECCIÓN
SIENTA LO QUE ERES TU, SIENTA LO QUE ERES TU.


TU QUIERES SABER, LO QUE TODO EL MUNDO YA HABLA.
TU QUIERES PREGUNTAR LO QUE TODOS YA DICEN
TU NO NECESITAS DE ESO
TU NO NECESITAS DE ESO



AHORA LAS COSAS PARECEN CONFUSAS
PERO ES UN MOMENTO DE TRANSICIÓN
ESE HABLAR YA NO CABE EN ESA BOCA
LAS PALABRAS ESTAN PESADAS

TODAS LAS RESPUESTAS FUERON DADAS
TODOS SABEN TODO, PERO SIN COMPRENCIÓN
Y TU TODAVIA QUIERES PREGUNTAR?
Y TU TODAVIA QUIERES HACER PARTE DE ESO?

EL SILENCIO Y EL HABLAR SON ELECCIONES
LLEGO LA HORA DE DECIDIR, REME
YA CONOCEMOS LOS CAMINOS, REME
REME Y SIENTA LO QUE TU ERES.

TU QUIERES SABER, LO QUE TODO EL MUNDO YA HABLA.
TU QUIERES PREGUNTAR LO QUE TODOS YA DICEN
TU NO NECESITAS DE ESO
TU NO NECESITAS DE ESO







foto: http://br.olhares.com/a_humanidade_de_costas_foto2023998.html

terça-feira, 24 de novembro de 2009

UM CONTO QUASE RELIGIOSO


Quando ele poderia ter pensado que exatamente naquela noite teria uma experiência digamos... no mínimo... diferente? Afinal era mais uma festa como qualquer outra e, nela, ele se divertia como normalmente se faz: bebia, flertava, dançava.
Pelas tantas da noite, por razões totalmente naturais e biológicas, resolveu ir ao banheiro.
E ao entrar no banheiro ele viu uma imagem refletida no espelho: um corpo ao meio, virado de costas, imóvel, vestido com uma camisa branca. E lá mesmo no banheiro, ele sentiu o grito sucumbir na sua garganta. Viu que a própria morte estava ali e, com toda certeza, ela o levaria para o desconhecido. Pressentiu que passaria o maior desespero de sua vida. Ficou congelado, com as mãos presas à pia e os olhos estalados no espelho.
Após um tempo aprisionado naquela agonia, seus gritos saltaram de dentro de sua boca. Sentiu como se seu corpo estivesse sendo rasgado por uma navalha. E como um louco abriu a porta, caindo na sala, onde as pessoas estavam em festa e não entenderam nada ao se depararem com aquele sujeito aos berros.
Ele pedia com todo seu desespero para tirarem aquilo dali. Parecia um cão raivoso girando e pulando com os pelos ateados fogo.
Aquela imagem que se apresentava de costas e não mostrava o rosto, que somente ele via, o perseguia.
Ele uivava e sentia o peso de um trator em suas costas. Seus músculos contorciam como se dez cavalos o puxassem. Seus braços esticavam e seu dorso inclinava com uma intensidade que ele não controlava.
As pessoas na sala assistiam passivas àquela cena, enquanto folhas de louro caiam do teto.
Uma mulher negra o observava com um olhar diferente - atenta e cuidadosa.
Um sofá vermelho, pessoas espalhadas em uma sala branca de um apartamento, uma mulher negra e um espectro imóvel de costas, essa era a imagem que girava em seus olhos. E como que por um instinto natural, ele caiu de joelhos em frente daquela mulher.
Seu corpo implorava por ajuda. Sentia-se dominado por uma força que não conhecia.
A energia daquela coisa de costas e meio corpo que não mostrava o rosto ainda o assombrava.
Segurando suas mãos a mulher comunicou a ele:

- É Gabriel que vem depositar sua espada em suas costas. Ele vem para protegê-lo.

Após dizer isso, ela depositou folhas de louro em suas mãos e cabeça.
Ele sentiu seu corpo querendo se livrar daquela tensão, mas o medo ainda envolvia a sua pele.
Um pouco mais lúcido, conseguiu balbuciar algumas palavras:

- É... preciso... rezar.

E assim, convidou todos para uma prece.
A mulher negra que estava em sua frente pediu para mudarem de lugar.
Agora, sentado de costas para aquela imagem, ele sentiu-se melhor. Em silêncio sua prece foi feita.
Foi então que ele percebeu que todos ali também estavam vestidos de branco.

E nem mesmo hoje, ele sabe dizer ao certo o que foi tudo aquilo.


Foto: http://br.olhares.com/um_espelho_de_mim_mesma_foto520233.html

terça-feira, 17 de novembro de 2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Histórias de quintal contadas na varanda



Naquela casa de paredes largas e teto baixo, o rápido se tornou útil.
Na varanda onde a brisa da manhã tem gosto de café morno, o ritmo segue como se pede.
E no agora, o movimento vem de fora. (Quintal de barro).
Quero escrever, mas nada parece ser.
Na minha mente apenas lençóis ao vento. Pontinhos espalhados procurando o seu eixo.
Demonstrações variadas, talvez, de uma estrada perdida.

Penso: uma compreensão é necessária para não se deslocar em vão.

Então, de repente, um salto entre um ponto e outro; sem distâncias entre si. Vejo. Diante de mim a complexidade do crescimento, a plenitude da sabedoria e a impaciência de se estar no meio.
Tudo está ali a poucos metros do meu alcance. Cada qual no seu canto.
Uma pergunta começa a pairar. Se algo permanece e nada muda, quem é esse ser que envelhece e que uma vez foi criança brincando?
Agora, em seus pequenos e curtos passos se desloca até um banco de praça como se fosse aquele menino de antes, na descoberta de um equilíbrio ao colocar um pé após o outro.
Histórias de quintal contadas em varandas.
O tempo se abre, se fragmenta em espasmos alongados. O meio não vê o da direita não sente e o da esquerda perambula.
Não há pré-ocupação.
Talvez apenas respirar, mas isso é...
Sinto saudades, mas saudades e momentos são como nuvens que no céu conta histórias através de suas formas.
Quem sabe entre um desenho e outro se abra uma lacuna onde o tempo pare e realmente se mostre de fato, sem mentiras ou anedotas.
Talvez esse homem saiba agora o que tanto se perguntou. Quem sabe suas respostas tenham pontos finais.
Talvez, ou pelo menos, mesmo sem suas respostas, sente que elas se apresentarão a qualquer instante.
Deve ser por isso a não pressa no seu caminhar, no seu sentar, no seu respirar.
Encostado em um banco de praça, observa diante de seus olhos toda a velocidade do silêncio da vida. Percebe o seu ser homem se dissolvendo, partindo.
E o que para seus olhos era observado se torna percepção.
Ali naquele banco, em um lugar onde o tempo se perdeu, o homem se encontrou.
Deixou de existir, não ocupa mais nenhum espaço, nenhum canto, mesmo ali sentado em um banco de praça.
E na varanda o ritmo continua como se pede. Lá tem janelas que agora querem se fechar, mas só as cortinas obedecem.
E naquela casa onde a criança brincando se tornou homem, que andando se tornou velho e que sentado desapareceu, lá, em seu quintal de barro, nada, nada mudará.



Foto: http://br.olhares.com/

domingo, 27 de setembro de 2009


Vivemos nos dois de lembranças
O medo do presente nos deixa sem fôlego
O querer é um ator tomado, inconsciente, mas libertador e vivo em sua entrega.
Pela escrita vou onde meu coração quer e o corpo suplica, ela me liberta da covardia que carrego na mente.
Suprimo meus desejos em folha branca com tintas vermelhas.
Transpiro, pois minha transpiração são letras soltas que escrevo no corpo. O resultado é um conto bem tocado.
Palavras que agora tem o doce gosto do suspiro e o amargo da espera cintilam reações ao qual não controlo, o que me resta é a prece.
Minha reza tem cheiro, gosto, saliva.
Ela prega um celibato ao inverso.
Somos pastores de uma anti-religião ao qual a esse mundo não pertence.
Ela acredita na matéria, na matéria de nossos corpos e na música que surge, quando a reza é completa.
Uni-vos esse é o único provérbio.
Não existe busca, existe entrega.
Vejo pontos de reticências à espera de uma nova linha.
Por isso o corpo que é folha, tem que querer ser escrito.


foto:http://br.olhares.com/uma_sede_de_ti_que_nao_se_acalma_foto1066245.html

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Dois idiomas a caminho de uma escrita



Faltava apenas duas semanas para minha viagem. Destino: Espanha. A tão sonhada volta. Um reencontro me esperava. Cinco anos de relação e um de distância. Saudades que apertavam o coração. Lembranças de momentos guardados em fotografia.
Desde o início sabíamos que nossas promessas seriam cumpridas. O sonho de compartilharmos algo juntos estava muito perto, exatamente há algumas horas. Foi válida tamanha paciência.
Aqui no Brasil, apenas algumas papeladas finais. Despedidas de amigos e alguns familiares, que não são muitos. Essa é a vantagem de ser uma pessoa mais reservada.
Vender algumas coisas e, claro, as malas. Mas para isso ainda havia tempo.
Precisava finalizar um último trabalho, afinal, uma graninha extra para viagem caia bem.
País novo, novos trabalhos, nova vida, relacionamento antigo, medo!
Nesta sexta-feira à noite, enquanto estava conferindo alguns documentos, o telefone tocou. Atendi. Algo aconteceu na minha percepção de espaço-tempo. Comecei a sentir um frio estranho que vinha do centro de minha barriga e que aos poucos começava a se espalhar para todo o corpo.
Sentei, pois não agüentava meu próprio peso.
Vejo a imagem de um avião decolando e eu no meio da pista em pé. Escuto ao longe uma voz dizendo meu nome, então sou puxado da pista para o sofá da minha sala com o telefone nas mãos.

- Papai sofreu um derrame, está em coma!

Desligo o telefone. Faço três ligações: Espanha, aeroporto e um táxi. No caminho do hospital sinto. Apenas sinto tudo. Tudo em dois idiomas.

foto: http://br.olhares.com/de_malas_e_bagagem_foto433601.html

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Vinho Francês


Clara é mais uma de tantas mulheres que vive em seu mundo paralelo criado para suprir as necessidades que à sua pseudo-realidade não convém.
Clara poderia ter entre seus 28 a 30 anos, morena, olhos cor de amêndoas, uma estatura perfeita: nem alta nem baixa. Trabalha em qualquer uma dessas profissões liberais. Sempre dona de seu nariz, desde cedo se bancou em todos os sentidos. Uma mulher digamos... independente, batalhadora, durona.
Clara já é mãe, mas de outros casamentos. Talvez por essas antigas experiências, tenha se decidido por uma relação um pouco diferente. Talvez. Isso é uma hipótese.
Mantém um relacionamento já alguns anos com seu namorado-marido, isso porque não dividem o mesmo espaço sempre. Uma relação de muita paixão como todas, principalmente no inicio como todas são, claro. Seu namorado-marido também trabalha em mais uma dessas profissões liberais.
Mas agora, após alguns anos de relação, Clara se sente um pouco confusa. Algumas imagens e vontades de um passado perturbam sua mente. Sabe
aqueles momentos onde o inconsciente e o consciente dialogam com bate-papos em uma esquina? Aquelas lembranças antigas não paravam de cutucá-la na calada da madrugada, nos momentos solitários.
Ah! Não posso deixar de dizer que seus pensamentos causavam reações muito presentes em seu corpo, a tal ponto que, às vezes, era necessário um banho para ver se elas acabavam escorrendo pelo ralo. Não porque ela considerasse isso sujo, mas Clara precisava voltar às suas obrigações.
Ela não estava conseguindo seguir os seus dias tranquilamente. Criava esses mundos paralelos e vivia algumas vezes lá e outras aqui. Digo “viver” porque esse passado, como já mencionado, trazia reações tão reais que se transformava em presente.
Mas como ela poderia imaginar que um simples jantar se transformaria nessa armadilha em sua mente?
Afinal, naquela noite de julho tudo começou timidamente, com alguns olhares perdidos entre a cozinha e a copa.
Pequenos toques que eram provocados com certo medo. Tudo aquilo era muito estranho para ela.
O jantar seguiu numa atmosfera envolvente. Muita conversa. Palavras jogadas eram intercaladas com pequenos silêncios perturbadores.
Talvez o vinho já tivesse dado aquele ar de liberdade, pois agora, Clara não mais fugia dos olhares e sim os provocava. Muito mais direta e cheia de intenções. Novamente o tal silêncio. Só que este era longo, muito longo.
Pequenos movimentos de aproximação, pequenos toques suaves e deslizantes começaram a ser manifestados.
Um calor tomava conta desses dois corpos, a mistura de medo, ansiedade e vontades. Uma pequena tontura, talvez pelo vinho. Um beijo. Dois lábios se tocando com uma ardente entrega. Agora não poderiam mais parar. Eram tomados só de desejo, talvez o puro instinto que os comandava.
Do beijo para dois corpos nus, jogados, enlaçados ao chão de uma sala.
Suas bocas já não se procuravam mais, porque agora toda pele era alimento. Formas geométricas, outras desconexas, uma dança selvagem: esta era a cena.
Tudo envolvido pelo perigo de seu marido, ou melhor, seu namorado-marido chegar, afinal era um daqueles dias em que às vezes ele aparecia por lá.
Mas a loucura daquele instante era pura comunhão em um êxtase divino. Seus corpos já eram banhados com a mais pura satisfação. Os dois agora, estáticos, deitados. Seus sexos e seus olhos apontados para o teto. No pensamento, nada. No corpo, o cheiro - resultado de seus desejos.
Aquela noite de julho terminou com um banho e muito silêncio.
E agora todas essas sensações começavam a voltar repentinamente em sua memória.
Até esse momento Clara não entendia o porquê dessas lembranças. Mas, ao abrir sua caixa de e-mail nesta manhã entendeu tudo.

Bela Clara,
Paris é linda. Adorei toda minha experiência por aqui, mas a saudade é grande.
Não vejo a hora de encontrá-la novamente.
Volto ao Brasil nesta semana.

De alguém que nunca te esqueceu,
Paula.

P.S.: Trago na mala um delicioso vinho francês.

Fim.

foto:http://br.olhares.com/vinho_a_luz_de_velas_foto993508.html

terça-feira, 25 de agosto de 2009

AQUALUNG


Ele estava sentado na mesma cadeira, na mesma padaria de sempre, a mesa localizada ao lado de uma parede com aquelas pinturas que querem ser modernas.
O pedido de sempre; uma xícara de café preto.
Entre um gole e outro um pequeno silêncio estacionava na sua mente.
No Ipod ondas sonoras que seu ouvido decodificava como Jethro Tull, faziam pular do silêncio presente para um passado cheio de lembranças, onde a própria musica tinha gosto, cheiro, sentimentos, uma viagem de nostalgia sensorial. Mas um gole de café, agora momentos sem pensamentos alternavam com uma percepção interna de seu corpo. Alguns órgãos uma leve vibração, mas o interno estava mais identificado com um extremo vácuo, uma imensidão sem fronteiras, outro universo talvez.
Passado algum tempo, minutos, talvez segundos, tudo muda.
Seu olhar agora está fora; as pessoas, seus movimentos. Ele olha e não há julgamento, mas só uma curiosidade infantil. Era até engraçado ver todo aquele balé mecanizado, movimentos talvez combinados, talvez instintivos, pré-programados, como os meus e como os seus.
De repente um olhar e outro cruzam com o seu, migalhas de uma conexão mais direta, mas tudo passagem.
Quantas relações, quantas vidas, quantos corações.
Ele não estava esperando nada, ninguém, estava ali à vontade consigo.
Observando qualquer coisa que acontecia, tomando notas às vezes, brincando de escritor.
Alguns desejos e vontades pairavam como nuvens lentas que horas eram interrompidas pelo tal vácuo, que trazia certa tranqüilidade, comparada àquelas que procedem no mar, após uma forte tormenta.
Mais um olhar, conexões.
Quantos olhares uma imagem sem movimento pode atrair em um curto tempo de espaço?
E a flauta melódica e selvagem do Jethro Tull faz o pano de fundo da cena.
Ele escreve, anota, risca aqui, concerta ali e mais um olhar o cruza, mas uma passagem, mas um passageiro.
O café acaba, ele levanta, paga a conta, olha e segue adiante, um próximo momento o espera.
Talvez um blues, talvez uma bossa nova, talvez...



foto:http://br.olhares.com/caderno_de_viagem___um_cafe_em_praga_foto571002.html

sábado, 27 de junho de 2009

Coisas acontecem neste momento.


Coisas acontecem neste momento.
E você que está aqui sabe!
Uma confusão se materializa na imagem de uma tormenta.
O errado e o certo duelam na corda bamba de um circo qualquer. Sem redes.
Aguardando o desfecho final, o barco continua navegando
O passageiro dentro de sua viagem nunca saberá onde será a próxima parada.
Em momentos observa, em outros momentos está tão mergulhado que... Ahhhh!
Quantos sonhos precisarão repetir para realmente ver?
E o cortejo não para. Não, ele não para.
Mas algo não move, não é da sua natureza.
E você sabe! Pois você está aqui também.
Certa vez ouvi que os pensamentos eram como o vento e o verdadeiro eu como o Universo.
Certo dia eu ouvi...


quarta-feira, 27 de maio de 2009

Início de um fim.



Uma promessa com recheio de vidas.
História contada a três.
Conflito sentido em mim, um jogo entrelaçado por nossos desejos.
Nosso presente amargo, feito de memórias doces de um passado.
Apego e paixão dançam entre meu sexo, minha mente e meu coração.
Desejo de odiar para apagar. Apagar o que já foi real e hoje desfalece em ilusão.
Decepção vista de um lugar de olhos fechados. Um antes, remoto. Pernas abertas, peito entregue e olhos vendados.
Quero o que não me pertence. Preciso do que já foi meu.
Um ser que se abre. Outro que se fecha.
Angústias querem entrelaçar no espaço onde a entrega já existiu.
Não ligue. LIGUE!
Não fale. FALE!
Não decida. DECIDA!
Pois o meu ser não se cala diante da covardia.
Que momento é esse?
Preciso de outros, preciso ser outros!
Agir é preciso. Quero a bagunça.
O silêncio me mostrará quem você é.
O silêncio me mostrará o que eu sou.
O silêncio mostrará o que quero.
Vai! Não se mexa.
Não quero descobrir que na história de um amor o final é incerto.
Estou embriagado com o medo. Não quero redescobrir que realmente pensamos ser os reflexos de outros.
Vai!
Não quero descobrir que perdi um outro que criei em você.

Foto:http://br.olhares.com/desencontros_foto2771158.html

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Duas luas nasceram


Duas luas nasceram
Meu amigo se duplicou
Um era são, o outro mudo
Ninguém o via, mas ele se duplicou

Duas luas nasceram
E as pessoas se duplicaram
Lugar de um passado em novidade
De um presente

Duas luas nasceram
E o Agora o céu tem janelas
E elas falam comigo


Duas luas nasceram
E todos são muitos, quase zumbis
Seguindo o que já era existente

E eu...
Caminho e não duplico em uma trilha conhecida
Pessoas agora quadriplicam
Olho para o lado, acima e vejo
Duas luas nasceram



foto: André Auke

quinta-feira, 23 de abril de 2009

DES ou não SER



Tudo que digo não sei por onde anda
Quero o silêncio porque me completa
Ser muitos que passam e ser o que fica
Não contenho nada desse resto que me é dado

Sei quem você é, pois sei quem sou
Mas mesmo assim eu me perco
Por horas, nesse vácuo de todos
Teorias me levam ao acaso

Quero o simples porque me completa
Em tardes de outono sou poesia
Bares e café, sou um Deus à espreita
A escrita me define e as palavras não me sustentam

Ser o que não interessa
Não precisar DES nada
(DES necessário, DES complicado, DES falecer, DES aparecer, DES mistificar, DES, etc. etc.)
O que me completa não tem DES e nem SER.


foto: André Auke

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Uma Palavra só.




A porta entre aberta.
Nossos olhos bebem um querer.
Meu coração suspenso.
A razão foge você vai.

Quando a coragem é mais forte
que um desejo?
Queria dizer para você,
mas tenho medo.
Mas tenho medo.


Nossa verdade está perto.
Nosso tempo é tão pequeno.
Eu não posso esperar.
Você vem e o medo vai.

Quando a coragem é mais forte
que um desejo?
Queria dizer para você,
mas tenho medo.
Mas tenho medo.


Quando a coragem é mais forte
que um desejo?
Queria dizer para você,
mas tenho medo.
Mas tenho medo.



quinta-feira, 12 de março de 2009

Ontem a tarde...



Ontem à tarde a lua veio até mim.

Ontem à tarde ela desceu na terra para falar comigo.

Foi uma fração de segundos, mas ela falou comigo:

Segundos aqui, pois neste momento de tempo o tempo não existia.

Era em uma tarde onde o sol reinava, mas até ele cedeu aos encantos desse instante.

Uma comunicação sem fala, sem palavras, apenas o barulho do coração, batendo o ritmo de uma respiração alerta.

Com um olhar, apenas um olhar e a lua veio a terra falar comigo.

quinta-feira, 5 de março de 2009


Quero mais é poesia,


pois a razão só serve para fazer conta...


Se fosse pelo menos um faz de conta de criança...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Nada é por acaso




Naquela Noite De Estrelas
Eu Tinha Uma História
Para Ouvir,
Pedaços De Uma Oração

Rezamos Pelo Invigiável (Não Vigiável)
Entre Linha Dizemos
Coisas Do Coração


O Copo Cai. O Líquido Escorre
Tudo Vazio De Novo
Nada É Por Acaso
Tudo Vazio De Novo

A História É Uma
Voz Que Não Atende
Em Um Livro De Água
Escrito Em Páginas De Óleo


Uma História Curta
Como O Fogo De Uma Vela
Queimando À Distância
O que as estrelas já Diziam.


O Copo Cai. O Líquido Escorre
Tudo Vazio De Novo
Nada É Por Acaso
Tudo Vazio De Novo

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Cavalo Alado



Aqui do alto onde estou, percebo tudo. Tudo é como uma visão.
Quantas mentiras, tantas ilusões, poucas coisas sobram. Incrível!
Era para ser difícil ver isso, mas tudo é tão claro que se torna fácil.
Isso não muda a essência dos meus sentimentos. Eles estão lá, todos presentes. Mas por fora, grandes correntes.
É quase difícil achar um modo diferente.
Parece que tem até um porquê de ser assim.
Será?
Aqui, estou livre como gosto.
Sou um cavalo, mas alado. O meu destino não é correr, e sim voar.
Sou instinto no corpo de cavalo, sou sentimento em pele selvagem.
Daqui do alto tudo é tão claro. Quando desço me torno denso. Tudo lento e espesso.
Preciso de alimento, preciso de vento.
Vem, suba bem alto. Quero te mostrar. Daqui do alto tudo é tão claro.
Vejo tudo e todos. Quanto engano, quanto apego. Mas meus sentimentos estão lá.
Quando desço crio areia em minhas asas.
Gostaria que você me acompanhasse, mas daqui tudo é tão claro: só voa alto quem não tem areia nos braços.
Cubra meus olhos, mas não me empeça de voar.
Sou um cavalo alado, nasci para o ar. Na terra sou passagem.
Se quiser eu te levo. Minha casa não tem estradas e nem fronteiras.
Mas por favor, para voar comigo, deixe as raízes no chão.