sábado, 30 de outubro de 2010

Uma Crônica Verdadeira.


A verdade é uma grande mentira. Vamos aceitar esse fato.
Na real, a mentira é a nossa grande amiga e companheira.
Sejamos honestos pelo menos uma vez na vida.
Quantas vezes repetimos a bonita frase: “mesmo que doa, eu prefiro a verdade”?
Mentira! Mentira! Pô, você sabe disso, eu sei disso, todo mundo sabe disso.
Mas, mesmo honestamente, querendo dizer a verdade, estamos sempre mentindo.
É ou não é a nossa grande companheira?
É possível que nem mesmo sozinho aí, lendo essas palavras, você vai assumir a verdade. Vai como sempre, e isso é um ato natural, mentir para si mesmo.
Isso não é uma crítica, somente uma constatação.
A coisa é tão celular que o estranho, o que causaria uma comoção, seria a verdade aparecer.
Talvez no decorrer dessa leitura você tenha pensado em alguns ícones, vários nomes de pessoas que para você são verdadeiras. Vou lhe dizer uma coisa: resuma sua lista, mas resuma messssmo, é capaz de sobrar apenas um. Ou nem isso.
Nessa altura você já está achando um absurdo o que eu estou dizendo, né? Uma arrogância! 
Para mim é verdade o que eu disse, mas tudo pode não passar de mentira disfarçando-se de verdade.
Ela é tão poderosa que tem a capacidade de enganar pessoas inteligentíssimas, fazendo-as acreditar que estão sendo verdadeiras consigo mesmas e com os outros. E pior, isso acontece e dá muito certo. Multidões acreditam. É sério.
Nossa grande companheira honesta, que não nos deixa na mão em nenhum momento: a mentira.
Vamos parar de ser hipócritas - é possível que doa menos.
Nunca fomos e nunca seremos.
Quantos trabalhos, quantas terapias, quantas observações, quantas filosofias de bar e de sala você já não fez?
E a nossa companheira continua ao nosso lado.
Tudo bem, não precisa ficar com vergonha ou nervoso. É super natural discordar do que estou falando. Eu pararia de escrever agora e apertaria o botão “DEL”, se acontecesse o contrário. Mas, graças a você, a todo mundo, inclusive eu, tenho razões para continuar.
Alguns aí, vão apelar para santos. Ok, vale tudo. E eu pergunto: Você acha mesmo que os santos não mentem?
Ai, acho que blasfemei para alguns.
Desculpa. Eu esqueci que vocês acreditam que suas religiões dizem a verdade. Foi mal.
Vamos ser mais compreensivos com ela meu povo!
Ela nunca nos trai. Está sempre a nossa disposição. Não seja um ingrato com quem é tão dedicado a vossa pessoa.
Na próxima vez que se olhar no espelho, não finja que ela não está ali, fiel, prestativa só esperando o seu olhar de compaixão e aceitação.
Eu poderia dar grandes exemplos de coisas e pessoas do mundo, mas eu e você sabemos que não vou precisar disso.
Afinal, o papo aqui é mais individual, não precisamos ir tão longe. É só observar o fluxo de seus pensamentos agora. Isso, agora.
Hum, acho que te peguei!
Sinto que não preciso ir mais além.
Mas não tenho como não dizer uma coisa estranha: “Acho que existe alguma verdade em tudo isso”.
Bem, o papo está bom, mas eu e a minha fiel escudeira nos despedimos.
Desejamos uma boa observação do fluxo de seus pensamentos neste momento. Agora.
Mas, se for mais fácil, não tem nenhum problema chegar à conclusão que tudo isso é uma grande mentira. Vai por mim, isso não seria nada estranho.

foto: Jéssica Fogaça.
modelos: Buda e André Auke.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Chá Frio


Clara está debruçada sobre o parapeito da janela, observando as gotas de água que escorrem pela vidraça.
Cartas e envelopes pelo chão.
A chaleira toca na cozinha anunciando que o chá está pronto.
O apito a faz retornar de um lugar distante.
Com a xícara na mão, senta na poltrona e abre um envelope.

São Paulo, 10 janeiro de 1998.

Olá, Pai.
Faz tempo que não temos algum contato.
Nem sei se o senhor de alguma forma, nesses anos, chegou a lembrar de mim.
Imagino que tenha vivido muitas coisas, pois eu passei por várias.
Estou com 30 anos e já sou casada há 5.
Há tempos penso em escrever.
Hoje, sendo uma menina crescida, compreendo melhor e agradeço a sua coragem de assumir uma criança que não era sua.
Quero muito que essa carta o encontre bem, vivendo do jeito como sempre gostou, ao lado da natureza. Coisa que também gosto muito hoje.
Pai, peço o seu perdão. 

PS. Em breve serei mãe, estou grávida.
      Tenho saudades da Rita.

Clara repousa a carta no colo e bebe seu chá frio.
Olha para a janela e percebe que a chuva passou.
Uma lágrima descansa no papel. Manchando o amarelo da espera com o preto da escrita. 


foto: André Auke
modelo: Jéssica Fogaça.