quarta-feira, 21 de abril de 2010

A menina e seus vestidos.


Um dia a pequena menina, vestida de lágrimas, sonhou em voar.
Ser amante do vento, brincar com a brisa. Queria encontrar o entendimento da vida.
Pensou que sendo anjo poderia saltar e assim, com apenas um sopro, toda sua dor sarar.
A pequena menina não respirava, apenas soluçava.
Sentada em sua sala, esperava pelo último fôlego, aquele que decidiria.
E depois, lá de baixo, olhando para o alto procuraria o alívio de sua ação tomada em um momento de susto.
Mas uma voz miudinha dizia de algum lugar apertado:
- Troque o vestido menina.
Olhando o horizonte servia-se de um copo de culpa, beliscava em um prato a família e, jogados aos seus pés, sobrava algumas migalhas de sua vida.
- Troque o vestido menina.
Saindo talvez do intestino, como gente que pede socorro debaixo de escombros, a voz novamente surgia. Mas ela mal escutava. A pequena menina estava embriaga de sonho. Queria dançar sem peso para segurar, deixar suas cordas e saltar, voltar a sorrir e não ter ninguém para cuidar.
De repente, o carpete da sala era uma estrada; a sacada, altar e o parapeito, um Deus lindo e meticuloso.
Ela só queria subir em seu Deus e pular, virar estrela. Pensando assim em se salvar e quem sabe com esse mergulho profundo, encontrar o que tanto procurava.
E agora, de pé no parapeito da sacada, estava prestes a entregar seus sonhos ao vento. Antes, ensaiava alguns passos de balé iguais aos da infância - imagens de uma criança vestida de sorrisos era o filme que passava.
Momentos onde a única corda era a do balanço que, ela mal sabia, era o cupido do seu namoro com o vento.
- Pequena menina vestida de lágrimas, feche os olhos e volte para casa.
E agora parada ali no parapeito de seu apartamento, sentia seu coração pulsar. Lembrava daquele moço que ela tinha vontade de beijar e, algumas gotas no seu vestido, começaram a secar. Olhando ao redor percebeu que não tinha ninguém querendo pular.
Mas era a hora. Precisava tomar coragem. Tinha quase certeza que esse desfecho seria melhor.
Antes, olhou alguns de seus vestidos antigos jogado ao chão: o amarelinho raio de sol, o azul de desbotado sorriso, um vermelhinho com paixão escondida atrás do abajur, tinha até um carinhoso rosa bebê amuado no sofá.
Algumas vozes lá embaixo já diziam: Vem pequena menina, aqui temos o vestido rejeitado.
Ela pensou. Sentiu e decidiu.
Jogou-se. O tempo parou. Ele deu uma pausa para a ação da menina.
E ela acordou, levantou da cama, foi diante do espelho e se viu desnuda.
Sentiu-se completa.
Foi até a cozinha, preparou o café, levou até a sacada e ali flertou com a manhã. Contando-lhe histórias de uma tarde nublada, onde um vestido chorava no corpo de uma falecida menina.

9 comentários:

Le disse...

um vestido de lágrimas... e a menina bebendo um copo de culpa...
achei lindo o texto, faz refletir sobre muita coisa, e eu acho que tá na hra de eu largar esse meu vestido de lágrimas....
até a próxima!

renata penna disse...

e as vezes que o vestido gruda no corpo? precisa uma quase-morte pra despir. o bom é que a gente nasce de novo, nua, livre...
teu texto me fez revirar. bom demais.
bjo bjo bjo

Viacelli Keli disse...

Lindo, lindo e lindo. Parabéns.

JAIRO PEREIRA disse...

Adorei, é isso mesmo, nada como uma pelada pra expurgar os demónios da alma...rsrsrs
Continue meu velho, muito talento!

Gabi disse...

Sou eu!
Pequena menina...
Muitos Sonhos num tapete voador no parapeito de lágrimas, medo, confiança, vontades...
Te adoro!

Anônimo disse...

porra broder, massa , ARTE . palavra banalizada hoje . aqui se encontra . realmente . parabéns pela habilidade de enunciar em linhas o que já poucos vivem . o talento na forma com o dito da vida de verdade é coisa rara nos tempos que vão .. como diz a propaganda, 'keep walking' mano.
burn babilon

Tulla Doo disse...

Andre, obrigada por suas palavras.

Seu blog é muito belo e interessante, parabéns.

Bjs

Carol disse...

Uma pequena menina em seu vestido de lágrimas.
Lindo esse texto! Uma delícia esse seu cantinho! :)

Cris Urbinatti disse...

Lindo de mais, saudade de antes de tudo e querendo mais adiante. Apaixonante! Rsrsrs