terça-feira, 24 de novembro de 2009

UM CONTO QUASE RELIGIOSO


Quando ele poderia ter pensado que exatamente naquela noite teria uma experiência digamos... no mínimo... diferente? Afinal era mais uma festa como qualquer outra e, nela, ele se divertia como normalmente se faz: bebia, flertava, dançava.
Pelas tantas da noite, por razões totalmente naturais e biológicas, resolveu ir ao banheiro.
E ao entrar no banheiro ele viu uma imagem refletida no espelho: um corpo ao meio, virado de costas, imóvel, vestido com uma camisa branca. E lá mesmo no banheiro, ele sentiu o grito sucumbir na sua garganta. Viu que a própria morte estava ali e, com toda certeza, ela o levaria para o desconhecido. Pressentiu que passaria o maior desespero de sua vida. Ficou congelado, com as mãos presas à pia e os olhos estalados no espelho.
Após um tempo aprisionado naquela agonia, seus gritos saltaram de dentro de sua boca. Sentiu como se seu corpo estivesse sendo rasgado por uma navalha. E como um louco abriu a porta, caindo na sala, onde as pessoas estavam em festa e não entenderam nada ao se depararem com aquele sujeito aos berros.
Ele pedia com todo seu desespero para tirarem aquilo dali. Parecia um cão raivoso girando e pulando com os pelos ateados fogo.
Aquela imagem que se apresentava de costas e não mostrava o rosto, que somente ele via, o perseguia.
Ele uivava e sentia o peso de um trator em suas costas. Seus músculos contorciam como se dez cavalos o puxassem. Seus braços esticavam e seu dorso inclinava com uma intensidade que ele não controlava.
As pessoas na sala assistiam passivas àquela cena, enquanto folhas de louro caiam do teto.
Uma mulher negra o observava com um olhar diferente - atenta e cuidadosa.
Um sofá vermelho, pessoas espalhadas em uma sala branca de um apartamento, uma mulher negra e um espectro imóvel de costas, essa era a imagem que girava em seus olhos. E como que por um instinto natural, ele caiu de joelhos em frente daquela mulher.
Seu corpo implorava por ajuda. Sentia-se dominado por uma força que não conhecia.
A energia daquela coisa de costas e meio corpo que não mostrava o rosto ainda o assombrava.
Segurando suas mãos a mulher comunicou a ele:

- É Gabriel que vem depositar sua espada em suas costas. Ele vem para protegê-lo.

Após dizer isso, ela depositou folhas de louro em suas mãos e cabeça.
Ele sentiu seu corpo querendo se livrar daquela tensão, mas o medo ainda envolvia a sua pele.
Um pouco mais lúcido, conseguiu balbuciar algumas palavras:

- É... preciso... rezar.

E assim, convidou todos para uma prece.
A mulher negra que estava em sua frente pediu para mudarem de lugar.
Agora, sentado de costas para aquela imagem, ele sentiu-se melhor. Em silêncio sua prece foi feita.
Foi então que ele percebeu que todos ali também estavam vestidos de branco.

E nem mesmo hoje, ele sabe dizer ao certo o que foi tudo aquilo.


Foto: http://br.olhares.com/um_espelho_de_mim_mesma_foto520233.html

4 comentários:

Lunna disse...

Acho que o quase religioso me deixou atordoada. Minhas fés pessoais não me permitiram alcançar totalmente sua história. Fiquei eu aqui a pensar nas possibilidades e os desarranjos aconteceram naturalmente. Óbvio, era efeito da bebida e nada mais. Um delírio necessário e ponto final. kkkkkkkkk
Você segue me surpreendendo meu caro. Bjs

JAIRO PEREIRA disse...

Saravá!

PANKADA disse...

Muito bom! Abraço

Gabi disse...

Baseada em fatos reais seria completamente expetacular. Se sim, quero saber mais! Se não, talvez as palavras possam ser um aviso, um chamado....Ó! Mais religioso ainda esse comentário!
Rs....

Saudades!