Talvez chegasse o tempo de apagar á fotografia do porta-retratos.
Aquela em cima do criado mudo, que é a chave de abrir o baú
das lembranças.
Entre tantas é ela – aquela fotografia.
Passaria até despercebida pelos amantes mais afoitos, mas
não por minha memoria que tem olhar de cachorro em caça.
Talvez chegasse o tempo de deixar as memorias flutuarem no vácuo.
Não de finais e nem de recomeços, apenas memorias.
Ela já é autodestrutiva – a fotografia.
É longo, muito longo o seu tempo, não evoluiu. Teima em ser
anarquista retrógada, não acompanha o nosso ritmo “urgente”.
Talvez...
Talvez chegasse o tempo de apagar á fotografia.
Aquela que em palavras mudas e silêncios ditos, conta que
foi feliz um dia.
Ela não é realista, até porque realismo é chato.
Ela navega por marés simbólicas, poéticas, às vezes indecifráveis.
Mas uma coisa que ela não é – é ser inventiva.
Veste roupa; sua composição, porém apresenta-se nua.
Nua de corpo.
Nua de julgamento.
Nua de alma.
Nua de todos.
Ela foi o que foi.
Nós fomos o que somos.
Talvez chegasse o tempo de apagar á história de uma
fotografia.
Talvez...
Ou, talvez escrever mais uma poesia.