quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SER A MARGEM


Estou em luto comigo.
Morre aquilo que não quero mais,
O que não me pertence.
Coisas que não eram para ser, mas por algum motivo estacionaram-se em mim.
Em luto declarado, queimo e espero as cinzas.
Essas as quais com um sopro digo:
- Voltem de onde vieram, sejam esterco para quem queira.
Mas antes da morte faço meu crepúsculo em ordem inversa.
Ando pelos cantos como um marginal.
Meus gritos e sussurros são escutados apenas por mim.
Nem os outros marginais têm ouvidos para isso.
Sou a marginalidade escondida dentro da própria marginalidade.
Existem outros, pois nossas vozes são feitas da mesma vontade.
Mas ainda estamos fadados ao anonimato honrado de um forasteiro.
Cada um em seu beco, ou estradas que sejam.
Às vezes nos olhamos, nos compreendemos e ficamos nisso, apenas isso.
Meu protesto é interno.
Meu luto é comigo.
E agora estou sentado no meu beco velando tudo o que tem que ser queimado.
Vou inspirar toda a fumaça.
E ela ecoara em todos os cantos, caminhos e esquinas.
Mas somente os que estão fora da estrada vão ouvir.
E a esses faço o convite:

Venham comigo velar:
 “O Ser à Margem”.


foto: André Auke.
modelo: Jairo Pereira

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A o A c a s o


Encontrei-o ali sozinho.

Namorando com seus pensamentos.
Sua segunda palavra, a meu ver, foi uma tentativa de venda.
A mercadoria eram seus argumentos, agonias, alegrias, fetiches...
Histórias pequenas e outras grandes, mas histórias.
Assim era ele: um belo contador de histórias.
Em nossa conversa as palavras ficavam soltas no ar como a fumaça de seu cigarro.
Perdíamos-nos um do outro por alguns momentos, quando nossos olhos eram pescados por moças belas que desfilavam pela calçada.
E assim estávamos nos dois: sentados sobre o degrau de uma porta de bar fechado, de frente para uma bela calçada.
Foi deste modo que nos encontramos. 
Foi deste modo que eu o encontrei.

Nosso diálogo persistia em divagar com o nada. Nossa conversa passeava perdida pelo ar.
Mas para alegria de nossos olhos as moças bonitas continuavam a passar.
Estávamos naquela tentativa de achar razões para nossas escolhas, pois eram diferentes das pessoas consideradas normais. Era claro que a cada verbo tínhamos a consciência do preço a pagar e já pagávamos. 
Mas isso não nos tornava especiais em nada, já que os normais também pagam. 
O que muda é apenas a moeda, porque o gosto é sempre o mesmo.

Com um pequeno sorriso no canto boca eu folheava em minhas mãos parte do que poderia ser fragmentos da vida dele. Entre uma folha e outra eu colhia algumas palavras soltas, como um poema concretista e ouvia a música que saia de seus lábios. Eram certezas de sua vida no presente. 
Bonita música.  Não tinha sofrimento, mas era triste por seu distanciamento.

Acho-me engraçado pensando nisso agora. Mas sei que um dia esse corpo ao meu lado morrerá. No entanto, essas folhas, mesmo que com o tempo fiquem amareladas, já são eternas.
Será que ele sabe que esse momento já se tornou meu fragmento? Não importa.

Nossa! Como são bonitas essas moças que passam pela calçada.

foto: autor desconhecido.