domingo, 27 de setembro de 2009


Vivemos nos dois de lembranças
O medo do presente nos deixa sem fôlego
O querer é um ator tomado, inconsciente, mas libertador e vivo em sua entrega.
Pela escrita vou onde meu coração quer e o corpo suplica, ela me liberta da covardia que carrego na mente.
Suprimo meus desejos em folha branca com tintas vermelhas.
Transpiro, pois minha transpiração são letras soltas que escrevo no corpo. O resultado é um conto bem tocado.
Palavras que agora tem o doce gosto do suspiro e o amargo da espera cintilam reações ao qual não controlo, o que me resta é a prece.
Minha reza tem cheiro, gosto, saliva.
Ela prega um celibato ao inverso.
Somos pastores de uma anti-religião ao qual a esse mundo não pertence.
Ela acredita na matéria, na matéria de nossos corpos e na música que surge, quando a reza é completa.
Uni-vos esse é o único provérbio.
Não existe busca, existe entrega.
Vejo pontos de reticências à espera de uma nova linha.
Por isso o corpo que é folha, tem que querer ser escrito.


foto:http://br.olhares.com/uma_sede_de_ti_que_nao_se_acalma_foto1066245.html

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Dois idiomas a caminho de uma escrita



Faltava apenas duas semanas para minha viagem. Destino: Espanha. A tão sonhada volta. Um reencontro me esperava. Cinco anos de relação e um de distância. Saudades que apertavam o coração. Lembranças de momentos guardados em fotografia.
Desde o início sabíamos que nossas promessas seriam cumpridas. O sonho de compartilharmos algo juntos estava muito perto, exatamente há algumas horas. Foi válida tamanha paciência.
Aqui no Brasil, apenas algumas papeladas finais. Despedidas de amigos e alguns familiares, que não são muitos. Essa é a vantagem de ser uma pessoa mais reservada.
Vender algumas coisas e, claro, as malas. Mas para isso ainda havia tempo.
Precisava finalizar um último trabalho, afinal, uma graninha extra para viagem caia bem.
País novo, novos trabalhos, nova vida, relacionamento antigo, medo!
Nesta sexta-feira à noite, enquanto estava conferindo alguns documentos, o telefone tocou. Atendi. Algo aconteceu na minha percepção de espaço-tempo. Comecei a sentir um frio estranho que vinha do centro de minha barriga e que aos poucos começava a se espalhar para todo o corpo.
Sentei, pois não agüentava meu próprio peso.
Vejo a imagem de um avião decolando e eu no meio da pista em pé. Escuto ao longe uma voz dizendo meu nome, então sou puxado da pista para o sofá da minha sala com o telefone nas mãos.

- Papai sofreu um derrame, está em coma!

Desligo o telefone. Faço três ligações: Espanha, aeroporto e um táxi. No caminho do hospital sinto. Apenas sinto tudo. Tudo em dois idiomas.

foto: http://br.olhares.com/de_malas_e_bagagem_foto433601.html

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Vinho Francês


Clara é mais uma de tantas mulheres que vive em seu mundo paralelo criado para suprir as necessidades que à sua pseudo-realidade não convém.
Clara poderia ter entre seus 28 a 30 anos, morena, olhos cor de amêndoas, uma estatura perfeita: nem alta nem baixa. Trabalha em qualquer uma dessas profissões liberais. Sempre dona de seu nariz, desde cedo se bancou em todos os sentidos. Uma mulher digamos... independente, batalhadora, durona.
Clara já é mãe, mas de outros casamentos. Talvez por essas antigas experiências, tenha se decidido por uma relação um pouco diferente. Talvez. Isso é uma hipótese.
Mantém um relacionamento já alguns anos com seu namorado-marido, isso porque não dividem o mesmo espaço sempre. Uma relação de muita paixão como todas, principalmente no inicio como todas são, claro. Seu namorado-marido também trabalha em mais uma dessas profissões liberais.
Mas agora, após alguns anos de relação, Clara se sente um pouco confusa. Algumas imagens e vontades de um passado perturbam sua mente. Sabe
aqueles momentos onde o inconsciente e o consciente dialogam com bate-papos em uma esquina? Aquelas lembranças antigas não paravam de cutucá-la na calada da madrugada, nos momentos solitários.
Ah! Não posso deixar de dizer que seus pensamentos causavam reações muito presentes em seu corpo, a tal ponto que, às vezes, era necessário um banho para ver se elas acabavam escorrendo pelo ralo. Não porque ela considerasse isso sujo, mas Clara precisava voltar às suas obrigações.
Ela não estava conseguindo seguir os seus dias tranquilamente. Criava esses mundos paralelos e vivia algumas vezes lá e outras aqui. Digo “viver” porque esse passado, como já mencionado, trazia reações tão reais que se transformava em presente.
Mas como ela poderia imaginar que um simples jantar se transformaria nessa armadilha em sua mente?
Afinal, naquela noite de julho tudo começou timidamente, com alguns olhares perdidos entre a cozinha e a copa.
Pequenos toques que eram provocados com certo medo. Tudo aquilo era muito estranho para ela.
O jantar seguiu numa atmosfera envolvente. Muita conversa. Palavras jogadas eram intercaladas com pequenos silêncios perturbadores.
Talvez o vinho já tivesse dado aquele ar de liberdade, pois agora, Clara não mais fugia dos olhares e sim os provocava. Muito mais direta e cheia de intenções. Novamente o tal silêncio. Só que este era longo, muito longo.
Pequenos movimentos de aproximação, pequenos toques suaves e deslizantes começaram a ser manifestados.
Um calor tomava conta desses dois corpos, a mistura de medo, ansiedade e vontades. Uma pequena tontura, talvez pelo vinho. Um beijo. Dois lábios se tocando com uma ardente entrega. Agora não poderiam mais parar. Eram tomados só de desejo, talvez o puro instinto que os comandava.
Do beijo para dois corpos nus, jogados, enlaçados ao chão de uma sala.
Suas bocas já não se procuravam mais, porque agora toda pele era alimento. Formas geométricas, outras desconexas, uma dança selvagem: esta era a cena.
Tudo envolvido pelo perigo de seu marido, ou melhor, seu namorado-marido chegar, afinal era um daqueles dias em que às vezes ele aparecia por lá.
Mas a loucura daquele instante era pura comunhão em um êxtase divino. Seus corpos já eram banhados com a mais pura satisfação. Os dois agora, estáticos, deitados. Seus sexos e seus olhos apontados para o teto. No pensamento, nada. No corpo, o cheiro - resultado de seus desejos.
Aquela noite de julho terminou com um banho e muito silêncio.
E agora todas essas sensações começavam a voltar repentinamente em sua memória.
Até esse momento Clara não entendia o porquê dessas lembranças. Mas, ao abrir sua caixa de e-mail nesta manhã entendeu tudo.

Bela Clara,
Paris é linda. Adorei toda minha experiência por aqui, mas a saudade é grande.
Não vejo a hora de encontrá-la novamente.
Volto ao Brasil nesta semana.

De alguém que nunca te esqueceu,
Paula.

P.S.: Trago na mala um delicioso vinho francês.

Fim.

foto:http://br.olhares.com/vinho_a_luz_de_velas_foto993508.html