Esse é o menino Gabiru, que mora na cidade grande, mas que
já foi do mato.
Ele sempre teve sonhos estranhos, coisas do tipo liberdade.
Quando se sentia preso, sempre tinha dor de barriga, mas não
gostava de tomar remédio.
Ele tinha seu próprio ritual de cura. Ele velejava.
E foi assim que se medicou
naquela manhã, sentindo o vento no rosto, uma brisa.
Sua pedalada era leve, sem força,
sem esforço, navegava por aguas calmas.
Era o capitão e tripulante de sua
embarcação.
Seu navio; uma bicicleta
vermelha, com velas movimentadas manualmente pela força da catraca.
Era o menino que velejava
sozinho.
Não por falta de companhia, mas
por opção.
Era a forma que encontrava para
despejar seus pensamentos.
E assim fazia a cada pedalada.
A cada giro da roda lá se iam embora uns 3 a 4
pensamentos e esses se transformavam em micro poeiras de asfalto.
E assim a cada quilometro
navegado, mais e mais a sua mente ia ficando vazia.
O menino da bicicleta vermelha
gostava de velejar para ficar vazio, era a sensação mais gostosa e próxima do
que achava ser liberdade.
Ele tinha sede.
E Gabiru saciava todas as manhãs
e tardes essa sua sede, bebendo brisa de vento em seu rosto.
Mas teve um dia que algo estranho
aconteceu...
Gabiru não saiu para pedalar nem de manhã e nem de tarde, ficou o tempo todo trancado em seu quarto.
Gabiru não saiu para pedalar nem de manhã e nem de tarde, ficou o tempo todo trancado em seu quarto.
Teve sede, muita sede,
pensamentos e tal dor de barriga, mas mesmo assim não saiu do quarto naquele
dia.
Todos na casa acharam aquilo estranho,
mas não quiseram dar caso ao assunto.
- É coisa de menino emburrado. Disse
o Pai.
Sua mãe deixou biscoitos e um
copo de leite no criado-mudo, depois de passar a mão na testa para verificar se
Gabiru tinha febre, mas não. Era apenas
a mesma sede de sempre.
Foi só quando o céu ficou
respingado de luz e todos foram dormir que o menino Gabiru em um rompante pulou
da cama e depois a janela.
Pegou seu navio e pela primeira
vez resolveu velejar acompanhado. Convidou a Lua e foi...
Depois daquela noite, ninguém
mais viu o menino Gabiru pela cidade e nem pelas redondezas.
Mas hora e outra sempre chega
algum boato, vinda de algum carteiro ou parente distante.
Que algum fulano de tal, que
conhece cicrano, chegou há ver Gabiru pros lados de algum canto.
Ele é a sua bicicleta vermelha.
E dizem que está até ficando
famoso, por onde ele passa falam assim:
- Olha o menino que bebe vento e
peida liberdade.
Na casa de Gabiru até hoje, todos
tem saudades.
Mas eles sabiam... A sede daquele
menino era grande demais...
Quando a vizinhança pergunta, a
mãe sempre diz assim:
- Gabiru está por ai, pelo mundo.
Dizem que não senti mais nenhuma dor de barriga, se curou totalmente de tão
vazio que esta.
É chamado de médico e curandeiro.
Em qualquer canto desse mundo que
houver prisão de pensamentos, dor de barriga de sede de brisa, é só chamar por
Gabiru, que ele vem.
Velejando sempre em céu
respingado acompanhado da sua enfermeira lua, ele e sua bicicleta vermelha.
Gabiru – o menino que bebe vento
e peida liberdade.